segunda-feira, 27 de julho de 2009

Sérgio Guerra: pedras quadradas não rolam

O pensamento estratégico chinês ensina algo aparentemente óbvio, mas que merece ser melhor analisado: é próprio da natureza das toras e das pedras permanecerem imóveis num solo plano e entrarem em movimento num solo inclinado; se são quadradas, as pedras não rolam e permanecem paradas; se são redondas, rolam. Só pedras redondas descem de uma alta montanha rolando. Esse truísmo serve para ilustrar o dilema da tentativa de reeleição de Sérgio Guerra ao Senado.

Sua candidatura é uma pedra quadrada que não encontra ajudantes dispostos a empurrá-la ladeira abaixo, na direção do sucesso. Seus antigos aliados do DEM, principalmente os Mendonça, já demonstraram aborrecimento e desconforto com as atitudes dúbias de Guerra (Maciel permanece calado). Guerra parece acreditar num apoio efetivo, ainda que velado, do governador Eduardo Campos, e que se traduza em votos reais, mas com um evidente e inaceitável prejuízo às candidaturas governistas.

Este pode ser, sem dúvida, um grave erro estratégico de Guerra e que poderá deixá-lo ao relento na hora de contabilizar os votos decisivos. Ao desprezar a propensão da situação que resulta da relação das forças envolvidas, ele não sabe e nem pode usar os efeitos favoráveis da configuração do terreno em seu proveito. Os tempos áureos do jarbismo acabaram. Não há mais nenhuma força política de oposição capaz de garantir-lhe votos. Na verdade, ocupar o espaço desejado não depende apenas da vontade do candidato.

As canhestras ações de Guerra são um desastre porque desagradam antigos aliados que poderiam lhe trazer algum apoio e que se negam, agora, a confiar em quem, nas palavras de José Mendonça, vive “lá e lô”. Voltando à analogia com a pedra: se os atritos aumentam, o desgaste reduz o potencial cinético a zero e a pedra quadrada continua imóvel; ora, a atual topografia política é amplamente desfavorável às pretensões de Guerra.

Guerra obteve agora o apoio do PP, de Eduardo da Fonte. O prefeito de João Alfredo, Severino Cavalcanti - que não chega a ser o mais poderoso prefeito do planeta - e o ex-deputado Pedro Correia também o apóiam. Numa eleição disputadíssima, isso é muito pouco, algo como enfrentar um tanque Sherman com fuzil e revólver. “Muito barulho por nada”. Eduardo Campos sabe disso e cala-se.

O pior de tudo: um bom marketing deve apoiar-se na imagem, no foco e nas propostas do candidato para que se defina o seu posicionamento. A imagem deve ser coerente com o foco da campanha e com as suas propostas. O eleitor não aceita uma candidatura na qual o “foco” entra em conflito com a imagem do candidato. Hesitação e ambigüidade são fatais e dissolvem a credibilidade, o ethos do candidato. Apesar do nome, Guerra não parece estar pronto para a batalha de 2010.

Os chineses dizem que quem sabe apoiar-se no potencial da situação pode facilmente levar a melhor. “Com pouco esforço”, pode-se obter “muito efeito”. Guerra está fazendo o oposto: muito esforço para nenhum efeito aparente (a não ser os negativos).

terça-feira, 14 de julho de 2009

O caso Sarney: Lula retarda a cidadania.

Para um político que se pretende hábil e matreiro, as últimas atitudes do presidente Lula em relação ao presidente do Senado, José Sarney, têm se mostrado canhestras. Em nome da “governabilidade”, supostamente ameaçada caso o senador pelo Amapá fosse deposto devido às graves denúncias em sua gestão, o presidente da República apostou alto e, aparentemente, se deu mal, uma vez que a crise não arrefeceu e as denúncias continuam.

Humilhou a bancada petista no Senado, obrigando-a dar um pífio apoio a Sarney, e arranhando, mais uma vez, a credibilidade do partido que se pretendia o guardião da ética na política brasileira. Por outro lado, sabe-se que Lula conseguiu promover, ao menos parcialmente, o atendimento a uma gama de direitos sociais historicamente ignorados pelas elites que governaram o país até FHC. Programas assistencialistas, como o Bolsa-Família, por exemplo, elevaram os patamares de aprovação do governo petista a níveis inéditos.

Direitos sociais incluem educação, renda, saúde e, como mostra John Rawls, também faz parte do rol de tais direitos uma certa dose de auto-estima. A justiça social seria uma certa maneira de assegurar condições de vida compatíveis com a idéia que temos da dignidade humana. Fundamental também é o exercício dos direitos políticos de participação, que também podem ser chamados de “direitos de cidadania”.

Questões de justiça apenas surgem onde as pessoas cooperam. O bom funcionamento da cooperação social exige um sistema de regras que os participantes reconhecem e observam. O povo brasileiro sempre testemunhou, impotente, a conduta injusta daqueles que não observam as regras de cooperação, criando privilégios e vantagens inaceitáveis para si e para o seu grupo próximo (como parece ser o caso de Sarney).

Ora, a questão da justiça não se põe apenas relativamente aos recursos materiais, mas também em função das regras de cooperação. Deturpar tais regras e permanecer impune configura um atentado aos direitos políticos de participação de uma sociedade e reduz a auto-estima do cidadão que, a partir dos exemplos dos políticos, fica convencido da inutilidade de respeitar aquelas regras. A impunidade deseduca e provoca o ceticismo.Lula, infelizmente, não enxerga assim. Proteger práticas políticas inadequadas e injustas equivale a admitir que a participação política do brasileiro deve se limitar ao voto. Uma renda mínima para pessoas totalmente desfavorecidas, sem o correspondente incentivo aos seus direitos de participação, reduz as políticas lulistas ao puro paternalismo. “Comer pode, só não pode querer mudar a estrutura esclerosada da política brasileira”: eis o recado de Lula ao povo brasileiro, quando apóia o oligarca maranhense