terça-feira, 11 de agosto de 2009

Marina Silva: a ecologia embaralha a sucessão

Novidade à vista na esclerosada “sucessão presidencial” brasileira: Marina Silva vem aí! O século XXI bate à porta de Dilma (Lula), de Serra, de Aécio, de Ciro e de Heloísa Helena.

Lula gasta munição e credibilidade para salvar o moribundo Sarney e dar vida aos inqualificáveis Renan e Collor. Dilma, sua candidata, quer apenas que continue o atual esquema de poder. Pelo menos, ela nada disse de novo até agora! Os eleitores sabem que Lula, a essas alturas, optou claramente pela vanguarda do atraso, mantendo o “escritor” (?) maranhense no poder. Um irracional esforço lulista para dizer que um defunto que já começou a feder ainda está vivo.

Aécio, na calada da noite, apóia Sarney. Serra continua um burocrata da economia, propondo o desenvolvimento, sem casá-lo com a sustentabilidade! Ciro Gomes permanece confuso como o asno de Buridan (a metáfora do animal sobre cuja testa amarraram um cenoura inalcançável) e certamente não irá a lugar algum. Heloisa Helena, sempre moralista e antiquada, parece anunciar ora o Apocalipse, ora a criação iminente dos sovietes revolucionários, como se ela fora uma aparição extemporânea de Lenin.

Marina Silva, com um discurso ecológico, fará estragos no PT de Dilma e no PSDB de Serra/Aécio. Os jovens, enojados com o espetáculo degradante do Senado, cujo roteirista é Lula, gostarão muito de votar no novo, em Marina, pois ser moderno, já disse Hegel, é acreditar que o mais recente é sempre o melhor. A senadora do Acre proporá o desenvolvimento sustentável, ela que já foi ministra do Meio-Ambiente e deixou o cargo por discordar das políticas ecológicas lulistas. Marina tem moral para criticar!

Prezado leitor, imagine um candidato como Marina, com pouco dinheiro, sem tempo na TV, mas que defenda um desenvolvimento que respeite os limites da Terra, que proponha uma economia que gaste apenas os recursos naturais que o próprio planeta possa repor! Imagine um candidato que use a internet com inteligência e com criatividade, que peça o auxílio dos adolescentes e dos jovens universitários. Orkut e Twitter são uma força nada desprezível (apesar do TSE). O gasto é zero, a mobilização é significativa e o sujeito que propaga tal candidatura ainda se sente lutando por uma causa nobre, com reflexos duradouros no futuro.

O lado ruim: o PV tem os seus escândalos, Zequinha Sarney é membro destacado do partido e os adversários logo tentarão copiar o discurso de Marina. Mas a senadora do Acre é muito inteligente, é mulher (até agora o argumento solitário em favor de Dilma), tem carisma e terá um largo apoio internacional. Isso dá charme e persuade.

Lula imprudentemente acreditou que o quadro sucessório era irreversível e que poderia zombar da opinião pública, apoiando o que há de pior na política brasileira. Mas uma parte do eleitorado, sentido-se lesada e revoltada com essa asneira, dará o troco votando na ex-ministra. Simples como isso.

A decisão de Marina de trocar de partido e de candidatar-se é irreversível. Se eu fosse Lula, compraria uma caixa de tranqüilizantes, porque o combate eleitoral agora, para a sorte da democracia brasileira, terá resultados imprevisíveis.

domingo, 9 de agosto de 2009

Javé Nossa Justiça: o elogio da ignorância

Javé Nossa Justiça: o elogio da ignorância

Causa preocupação às pessoas interessadas pela democracia, o lançamento, no Recife, de um movimento evangélico e supostamente ecumênico, chamado Javé Nossa Justiça. Esse grupo articula uma campanha de combate direto ao aborto e ao homossexualismo. Ora, quanto ao aborto, trata-se de um tema muito polêmico e que, normalmente envolve interpretações em relação ao início da vida, em relação ao status de pessoa do embrião, etc. É um debate sobre o direito de se vir ou não ao mundo.

Inadmissível, contudo, é o ataque frontal e contundente à opção sexual das pessoas que vivem nesse mundo; em outras palavras, isso significa discriminar os seres humanos que já viveram, vivem ou viverão sobre o planeta Terra simplesmente porque eles têm uma preferência sexual distinta da nossa. É exatamente isso que faz o tal movimento “ecumênico”!
Pior ainda: “evangélicos” invocarem Cristo para achincalhar a dignidade alheia e insultar as escolhas sexuais das outras pessoas é uma enorme ofensa à conduta do Nazareno. Os Evangelhos estão repletos de Seus exemplos de tolerância e de repúdio à hipocrisia.

Kant, já no século XVIII, estabeleceu o conceito de dignidade humana, apontando para o fato de que cada pessoa tem um valor intrínseco, que cada uma é um fim em si mesmo e que jamais poderá ser tratada como um meio. O movimento Javé Nossa Justiça usa o ataque aos homossexuais como um meio para obter visibilidade pública e convencer os incautos de que as suas teses mal-elaboradas e inconsistentes têm algum valor ético.

Mentem quando afirmam que a OMS declarou o homossexualismo uma doença, e omitem o fato de que no Brasil, por exemplo, o Conselho Federal de Psicologia censurou publicamente a psicóloga carioca Rozângela Alves Justino por prometer a cura do homossexualismo para seus possíveis pacientes.

Não é possível que, numa sociedade civilizada, alguém venha publicamente propagar e incentivar a desvantagem de qualquer minoria, seja ela racial, sexual, econômica, lingüística, etc. Isso é o que se chama de “discriminação de primeiro grau”, na qual prega-se que determinadas pessoas são inferiores ou diferentes e por tal motivo devem ser afastadas das oportunidades de educação e de emprego. Hitler fez isso na Alemanha!

Pior ainda: esses “religiosos” querem negar ao homossexual o direito à união afetiva, tornando-os cidadãos de segunda classe. Toda essa intolerância é expressamente vedada pela Constituição do Brasil. Ela garante a igualdade tanto como identidade quanto como diferença. A igualdade como diferença significa que ninguém é obrigado a professar os valores dos grupos dominantes como pré-condição para ser tratado de modo equitativo. Faz parte da auto-estima e da busca pela felicidade de alguém o fato de poder ser reconhecido como se é e não como os outros prescrevem

Os mentores desse movimento antidemocrático e absurdo, ao esquecerem que o Estado brasileiro é laico, esquecem também que cabe ao Estado a responsabilidade de tratar, como igualmente importante, o destino de todo e qualquer cada cidadão. Deles pode-se dizer o mesmo que Millôr Fernandes disse de Ibrahim Sued, colunista social de O Globo à época da ditadura: “sempre defendeu, com grande ignorância, a ignorância”.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Sérgio Guerra: pedras quadradas não rolam

O pensamento estratégico chinês ensina algo aparentemente óbvio, mas que merece ser melhor analisado: é próprio da natureza das toras e das pedras permanecerem imóveis num solo plano e entrarem em movimento num solo inclinado; se são quadradas, as pedras não rolam e permanecem paradas; se são redondas, rolam. Só pedras redondas descem de uma alta montanha rolando. Esse truísmo serve para ilustrar o dilema da tentativa de reeleição de Sérgio Guerra ao Senado.

Sua candidatura é uma pedra quadrada que não encontra ajudantes dispostos a empurrá-la ladeira abaixo, na direção do sucesso. Seus antigos aliados do DEM, principalmente os Mendonça, já demonstraram aborrecimento e desconforto com as atitudes dúbias de Guerra (Maciel permanece calado). Guerra parece acreditar num apoio efetivo, ainda que velado, do governador Eduardo Campos, e que se traduza em votos reais, mas com um evidente e inaceitável prejuízo às candidaturas governistas.

Este pode ser, sem dúvida, um grave erro estratégico de Guerra e que poderá deixá-lo ao relento na hora de contabilizar os votos decisivos. Ao desprezar a propensão da situação que resulta da relação das forças envolvidas, ele não sabe e nem pode usar os efeitos favoráveis da configuração do terreno em seu proveito. Os tempos áureos do jarbismo acabaram. Não há mais nenhuma força política de oposição capaz de garantir-lhe votos. Na verdade, ocupar o espaço desejado não depende apenas da vontade do candidato.

As canhestras ações de Guerra são um desastre porque desagradam antigos aliados que poderiam lhe trazer algum apoio e que se negam, agora, a confiar em quem, nas palavras de José Mendonça, vive “lá e lô”. Voltando à analogia com a pedra: se os atritos aumentam, o desgaste reduz o potencial cinético a zero e a pedra quadrada continua imóvel; ora, a atual topografia política é amplamente desfavorável às pretensões de Guerra.

Guerra obteve agora o apoio do PP, de Eduardo da Fonte. O prefeito de João Alfredo, Severino Cavalcanti - que não chega a ser o mais poderoso prefeito do planeta - e o ex-deputado Pedro Correia também o apóiam. Numa eleição disputadíssima, isso é muito pouco, algo como enfrentar um tanque Sherman com fuzil e revólver. “Muito barulho por nada”. Eduardo Campos sabe disso e cala-se.

O pior de tudo: um bom marketing deve apoiar-se na imagem, no foco e nas propostas do candidato para que se defina o seu posicionamento. A imagem deve ser coerente com o foco da campanha e com as suas propostas. O eleitor não aceita uma candidatura na qual o “foco” entra em conflito com a imagem do candidato. Hesitação e ambigüidade são fatais e dissolvem a credibilidade, o ethos do candidato. Apesar do nome, Guerra não parece estar pronto para a batalha de 2010.

Os chineses dizem que quem sabe apoiar-se no potencial da situação pode facilmente levar a melhor. “Com pouco esforço”, pode-se obter “muito efeito”. Guerra está fazendo o oposto: muito esforço para nenhum efeito aparente (a não ser os negativos).

terça-feira, 14 de julho de 2009

O caso Sarney: Lula retarda a cidadania.

Para um político que se pretende hábil e matreiro, as últimas atitudes do presidente Lula em relação ao presidente do Senado, José Sarney, têm se mostrado canhestras. Em nome da “governabilidade”, supostamente ameaçada caso o senador pelo Amapá fosse deposto devido às graves denúncias em sua gestão, o presidente da República apostou alto e, aparentemente, se deu mal, uma vez que a crise não arrefeceu e as denúncias continuam.

Humilhou a bancada petista no Senado, obrigando-a dar um pífio apoio a Sarney, e arranhando, mais uma vez, a credibilidade do partido que se pretendia o guardião da ética na política brasileira. Por outro lado, sabe-se que Lula conseguiu promover, ao menos parcialmente, o atendimento a uma gama de direitos sociais historicamente ignorados pelas elites que governaram o país até FHC. Programas assistencialistas, como o Bolsa-Família, por exemplo, elevaram os patamares de aprovação do governo petista a níveis inéditos.

Direitos sociais incluem educação, renda, saúde e, como mostra John Rawls, também faz parte do rol de tais direitos uma certa dose de auto-estima. A justiça social seria uma certa maneira de assegurar condições de vida compatíveis com a idéia que temos da dignidade humana. Fundamental também é o exercício dos direitos políticos de participação, que também podem ser chamados de “direitos de cidadania”.

Questões de justiça apenas surgem onde as pessoas cooperam. O bom funcionamento da cooperação social exige um sistema de regras que os participantes reconhecem e observam. O povo brasileiro sempre testemunhou, impotente, a conduta injusta daqueles que não observam as regras de cooperação, criando privilégios e vantagens inaceitáveis para si e para o seu grupo próximo (como parece ser o caso de Sarney).

Ora, a questão da justiça não se põe apenas relativamente aos recursos materiais, mas também em função das regras de cooperação. Deturpar tais regras e permanecer impune configura um atentado aos direitos políticos de participação de uma sociedade e reduz a auto-estima do cidadão que, a partir dos exemplos dos políticos, fica convencido da inutilidade de respeitar aquelas regras. A impunidade deseduca e provoca o ceticismo.Lula, infelizmente, não enxerga assim. Proteger práticas políticas inadequadas e injustas equivale a admitir que a participação política do brasileiro deve se limitar ao voto. Uma renda mínima para pessoas totalmente desfavorecidas, sem o correspondente incentivo aos seus direitos de participação, reduz as políticas lulistas ao puro paternalismo. “Comer pode, só não pode querer mudar a estrutura esclerosada da política brasileira”: eis o recado de Lula ao povo brasileiro, quando apóia o oligarca maranhense